Sarah Garland, escritora e ilustradora de "Um outro país para AZZI" conta a história por trás do livro Publicado em: Site da autora Sarah Garland
http://www.sarahgarland.co.uk/azzi.html
Durante muitos anos, enquanto eu ilustrava e escrevia meus livros, no conforto de meu "território familiar" e das visitas que fazia às escolas, imagens de crianças refugiadas vinham à minha mente. Crianças que tinham sido vítimas de histórias – muitas vezes horríveis – que minha cunhada me contou quando trabalhou com crianças refugiadas em uma escola em Oxford.
Além dessas histórias, ela me mostrou fotos de crianças armadas, helicópteros e pessoas mortas. Aquelas imagens e histórias mexeram com o meu coração, mas não sabia como poderia ajudar. O que eu poderia fazer? Eu não vivia naqueles países, tinha quatro filhos e trabalhava em tempo integral. Então, no outono de 2010, com meus filhos já adultos, viajei para Nova Zelândia com meu marido para passar quatro meses em uma pequena cidade. Ele foi trabalhar em um ateliê de cerâmica, e eu decidi escrever um livro para adultos sobre uma das primeiras famílias de colonizadores da Nova Zelândia, sobre a qual eu tinha feito algumas pesquisas.
Alugamos uma casa e, em nosso primeiro dia, desci até um bazar de caridade para comprar umas mantas e um abajur para que nossa sala ficasse mais acolhedora. Foi lá que conheci a primeira família de refugiados. Eram birmaneses, os pais observavam o cabide de roupas e as crianças mantinham-se quietas. Pareciam sérios e ansiosos.
Resolvi ir à biblioteca para pegar alguns livros de referência, e encontrei mais famílias birmanesas pelo caminho. As crianças ficavam perto de seus pais e todas olhavam para o chão, o que contrastava com os moradores da cidade e a animação dos turistas que caminhavam pelas ruas. A biblioteca era grande e cheia de livros, me dirigi à seção infantil, onde encontrei um bibliotecário.
“Há algum livro que você indicaria a uma criança refugiada recém-chegada, com alguma relevância para ela enfrentar melhor a sua situação?", eu perguntei. “Ou um livro para uma criança da Nova Zelândia que lhe daria alguma ideia do que é ser uma criança refugiada e as dificuldades pelas quais ela está passando por aqui?”
O bibliotecário procurava entre as prateleiras, e olhava pensativo para os títulos.
“Você acredita que eu não tenho nada a respeito?”
Eu voltei para casa decepcionada. Meu projeto inicial havia ido por água abaixo. Eu estava cheia de ideias e não conseguia pensar em nada naquele momento.
Passei os quatro meses na cidade trabalhando em um novo livro. Comecei lendo algumas memórias daqueles que tinham sido forçados a fugir de suas casas quando crianças – e todas aquelas histórias de sofrimento e resistência me assombravam. No entanto, apesar das diversas nacionalidades e situações, elas eram comuns – o súbito abandono de casa, a perda de bens, a perda de familiares e amigos, a viagem muitas vezes assustadora e as privações. Em seguida, a chegada, a adaptação a uma cultura estrangeira e a dificuldade com a língua. Às vezes, havia um sentimento quase paralisante de perda de status e da autoestima, particularmente entre os homens da família. Acabei descobrindo que esses mesmos temas também foram abordados em trabalhos de pesquisa do governo e apresentados relatórios.
Uma amiga patrocinava algumas das 350 famílias de refugiados na cidade – a maioria birmanesa –, e ela me apresentou a várias mães e a seus filhos. Os quartos de suas pequenas casas tinham poucos móveis, mas sempre havia um baú, e nele havia cobertores feitos à mão e roupas de suas respectivas aldeias, coisas muito bonitas. Foi nesse momento que surgiu a ideia do cobertor da vovó, ao qual Azzi é tão apegada.
Eu me foquei na escola local e na professora dessas crianças refugiadas. Era meu lugar de inspiração, e ela, uma mulher inspiradora. Sentei-me junto dos recém-chegados – com suas expressões aflitas –, e suas linguagens corporais denotavam perplexidade e ansiedade. Eles tinham como ajudante um tradutor birmanês, que, como eles, passou muitos anos em campos na Tailândia, à espera de uma chance para sair e reconstruir sua vida. Todos eles fugiram silenciosamente pela mata e atravessaram a fronteira para chegar aos campos de refugiados.
Eu pude ver como as crianças mudaram quando sentiram-se mais confiantes, seus olhos brilhavam, e eles começaram a participar das atividades. Eles pintavam (helicópteros eram um dos temas favoritos) e cantavam, e no final do ano participaram de um enorme musical que envolveu todos na escola e foi maravilhoso. Foi incrível ver como os pais estavam orgulhosos.
Além da biblioteca da cidade, passei a cuidar da biblioteca E.S.O.L. e da biblioteca da escola técnica local, onde eu ensinava inglês aos adultos refugiados, e os apoiava e ajudava sempre que precisassem. Isso foi uma das coisas boas sobre trabalhar neste livro – pela primeira vez na minha vida estive constantemente lado a lado de pessoas experientes e muito dedicadas. Trabalhei com meu marido – nosso primeiro projeto juntos. A história de Azzi foi um esforço feito em conjunto.
Assim que voltamos para a Inglaterra, comecei as ilustrações. Decidi fazer a família de Azzi de origem persa, e não nomear o seu país. Também achei melhor deixar o livro com o formato de grafic novel, a fim de ampliar a faixa etária. Acabou sendo um prazer inesperado para mim, porque o livro precisava ter cores fortes e imagens ousadas, e com isso me descobri artista, pois utilizei canetas hidrográficas, aquarelas e tintas, mudando completamente meu método habitual de trabalho. O formato escolhido me deu a liberdade para acelerar e desacelerar a ação visualmente, por exemplo, eu poderia resumir em tirinhas cada uma das longas viagens de avó e Sabeen em apenas uma página cada sem deixar interferir no fluxo do livro.
Na Inglaterra, meus editores logo me apoiaram. Eu reescrevi o livro com a ajuda de especialistas em direito de imigração e direitos humanos, de professores, e da minha cunhada que, anos atrás, me apresentara ao universo aquelas crianças refugiadas. Fiz isso também para ter certeza de que a história não incluía horrores reais, mas sem deixar de ser menos verdadeira.
Quanto à personalidade de Azzi, ela foi criada a partir do livro de memórias de uma menina judia que eu li, assim como de uma criança da escola na Nova Zelândia, e de uma fotografia de jornal de um refugiado curdo que deixo preso sobre minha mesa de desenho. Mas no final, Azzi ganhou vida própria, uma vida com a qual lidou com coragem, humor e força.
Ilustrações do livro "Um outro país para AZZI" em preto e branco, antes de colorir.
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