Radicado em São Paulo desde a década de 80, Gil é professor de yoga e tem na literatura um escape para expressar seu bom humor. Publicado por: Jornal de Beltrão - novembro de 2016
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O escritor duovizinhense Gil Veloso é finalista da 58ª edição do Prêmio Jabuti, o maior da literatura do Brasil. Ele está inscrito na categoria 'Didático e Paradidático'. Os finalistas foram divulgados na sexta-feira, 21 de outubro, pela Câmara Brasileira do Livro (CBL). O escritor está concorrendo com o livro 'Um viaduto chamado minhocão', da editora Dedo de Prosa. Gil Veloso reside em São Paulo há mais de 30 anos. Por uma década, ele foi assistente do escritor gaúcho Caio Fernando Abreu. Gil também editou o livro 'Pequenas Epifanias', de Caio Fernando Abreu (Sulina, 1996). Trabalhou com Lygia Fagundes Telles e João Silvério Trevisan. Publicou 'Fábulas Farsas' (2009) e 'Travessuras', 'Histórias para Anjos e Marmanjos' (2010) pela editora Opera Prima, ambos premiados pelo Programa de Ação Cultural (Proac), da Secretaria de Governo de São Paulo. Gil Veloso participou também de 'Fábulas Farsas', ilustrado por Vanderlei Lopes e 'Pois ia brincando...' (Dedo de Prosa, 2013), com imagens de Alex Cerveny, que foram selecionados pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) para os Catálogos de Bolonha (2010 e 2014). Também publicou, pela Dedo de Prosa, 'A pedra encantada' (2011), ilustrado por Nara Amelia, e 'O menino arteiro' (2011), artes de Guto Lacaz. Confira a entrevista com o duovizinhense.
JdeB - Bom, você é duovizinhense. Qual é sua relação com a cidade atualmente? Você saiu daqui muito cedo, como foi sua trajetória até se tornar escritor? Gil Veloso - Saí ainda criança de Dois Vizinhos, mas para morar em São Jorge D'Oeste, a vizinha aí ao lado; foi de lá que vim para São Paulo, isso há 33 anos. Meus pais e alguns irmãos ainda vivem aí, quase nunca os visito, mas devo ir nos próximos meses. Aos meus amigos daqui, que acham engraçado cidade com este nome, costumo dizer que um dos dois vizinhos era eu e que o outro, desde então, ficou sem vizinho. E quando perguntam 'quem nasce em Dois Vizinhos é o quê?', respondo apenas 'é um dos dois vizinhos'. Mas, repare, escrevo estas brincadeiras apenas pra me divertir e foi assim que me tornei escritor, me divertindo. Não costumo levar a sério isso de ser escritor, aliás, não levo nada a sério demais, a não ser as coisas engraçadas. Sou também professor de yoga, o que pra mim é tão ou mais importante que escrever. Eu nunca quis ser escritor, sempre fui mais ligado à música, comecei compondo, cantando, etc. Isso quando ainda jovem, mas após décadas em SP, de repente, publiquei um primeiro livro e depois foi como uma espécie de gravidez, nove meses mais tarde nasceu o segundo e acabo de gerar o sétimo. Uma vez quase nasceram gêmeos.
Segmentando um pouco mais, como você escolheu a literatura infanto-juvenil? Não foi exatamente uma escolha, gosto de escrever sobre bichos, fábulas, etc., tipo de texto que costuma ser ilustrado e com isso naturalmente associado ao universo infanto-juvenil; embora minha escrita e ocupação com a língua não se encaixem no que se convencionou chamar assim. Então estou sempre deslocado e um tanto inclassificável, e acho bom. Não gosto de rótulos, ainda que há sempre algum esquema querendo grudar adesivos. O primeiro livro, 'Fábulas Farsas', não é de fácil entendimento para crianças ou jovens e mesmo adultos podem nele encontrar dificuldades, isso porque é bastante experimental, autoral. Perceba, a começar pelo primeiro título, desde o princípio sou um farsante. Gosto do papel de bufão, de palhaço, minha paixão maior sempre foi o circo, são deles muitas das melhores lembranças que tenho de minha infância aí no sudoeste. Agora, pela editora Pulo do Gato, acabo de recontar a história Branca de Neve, clássico conto de fadas, que foi e sempre será lido por todas as idades.
Você já trabalhou com grandes escritores, como foi essa experiência e o que isso acrescentou nas suas obras? Meu trabalho com outros escritores era um trabalho como outro qualquer, talvez o único diferencial fosse o fato de estar próximo a pessoas que eu admirava e ainda admiro. Foram ótimas experiências, tive sorte, não é todo mundo que consegue trabalhar com pessoas que estima. Ainda assim não vejo em meus textos influências dos ótimos escritores com quem convivi. Talvez este fato tenha me influenciado mais no sentido pessoal, como ser humano, e não exatamente como influência literária. Influência maior tive da música sertaneja que ouvia no rádio e também nos circos, Alvarenga e Ranchinho, Zé Fortuna, João Pacífico, Jararaca e Ratinho, Tonico e Tinoco, Cascatinha e Inhana... e do meu pai tocando violão e cantando coisas do gênero. Vem daí minha veia cômica e interesse pela parodia e pela sátira.
Como nasceu o livro 'Um viaduto chamado Minhocão' e como você recebeu a notícia de estar relacionado para concorrer o Prêmio Jabuti? Este livro nasceu de uma parceria com o desenhista Paulo Von Poser, o artista gráfico Victor Tronconi e a editora Silvia Fernandes, da Dedo de Prosa. Pela cidade e questões urbanas temos todos a mesma paixão e empatia. Este viaduto é comumente malvisto pelos paulistanos, relacionado a coisa feia, uma aberração, muitos pedem sua demolição. Então sempre ocorrem discussões em torno dele; a propósito, a futura primeira-dama, mulher do novo prefeito, interrogada a respeito para a Folha de S.Paulo, deu a entender que mal sabe o que é o Minhocão: 'É tipo um viaduto, né?'. Aos sábados, domingos e feriados, ele se transforma em parque, nele fazem festas, churrasco, dança, desfile de moda, teatro... Sempre vivi nos seus arredores. No livro, brinco dizendo que devemos buscar o Elevado. Há um verso assim: 'No baixo Minhocão, um pastor-alemão faz pregação: Irmão, busque o elevado! Admire o Elevado e alcançará salvação!'. Obviamente, a indicação nos alegra demais, afinal é sempre bom estar no páreo, embora nada prudente apostar em jabutis, tartarugas costumam ser vagarosas (risos).
Hoje você trabalha em outras obras? Quais seus próximos projetos? Não estou ocupado com nada em especial, embora tenha um feixe de coisas que possam ser publicadas, a maré não está pra peixe. Sou paciente, deixo o tempo atuar, editar e publicar em seu tempo certo. Por ora o meu projeto maior é cuidar da vida e da manutenção dos dias, isso tudo sempre com humor e poesia em meio à labuta diária; se algum outro filho nascer, terá sido fruto desse modo de ser.
Seus livros, normalmente, têm parcerias com ilustradores. Como surge esse processo? Tive sorte de contar com eles, que são mais artistas plásticos que ilustradores; estreei com um ótimo, o Vanderlei Lopes, paranaense radicado em São Paulo. Tenho especial apreço pelo Guto Lacaz, com quem me identifico pelo humor e ironia. Quase todas as parcerias partiram de um convite meu e o processo todo é acompanhado por um editor, que acaba direcionando e facilitando a comunhão entre diferentes linguagens.
E das suas outras obras, o que se pode destacar? Você já recebeu outros prêmios? Eu não destacaria nada, não sinto essa necessidade; sou um pequeno produtor, é cultura de subsistência, apenas escrevo e se algum alguém ler e gostar, me sentirei agraciado. Escrevo poesia, às vezes diluída em prosa, e meu estado de espírito em relação à vida é sempre de gratidão e compaixão, prêmios que tento fazer por merecer todos os dias. Sim, já fui contemplado com fomentos e ajudas de pessoas queridas. Neste terreno sou felizardo, alguém cujo viver é favorecido, cuja sorte e amigos o ajudam a carregar fardos.
Pensa em fazer alguma obra relacionada a sua cidade natal? Não penso, mas isso não significa que não vá fazê-lo um dia. Espero viver outros 50 anos, então terei tempo para tal façanha. Convenhamos, não é fácil voltar ao berço, mexer nas entranhas... Sou paciente, por enquanto apenas me antecipo dizer a toda a gente aí da região de minha cidade natal: feliz Natal!
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