Livro conta em versos como foi o trágico rompimento de uma barragem na cidade mineira de Mariana Publicado em: Guten News - outubro de 2016
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Na tarde de 5 de novembro de 2015, o rompimento de uma barragem com rejeitos de mineração varreu do mapa Bento Rodrigues, comunidade no interior de Mariana, em Minas Gerais, e provocou a morte de 19 pessoas. A imensa quantidade de lama tóxica — cerca de dez vezes o volume da lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro — vazou sem parar por 11 minutos, chegou à bacia hidrográfica do rio Doce e atingiu dezenas de outros municípios até desaguar no oceano, no litoral do Espírito Santo. O tsunami de substâncias químicas percorreu 650 quilômetros: destruiu patrimônios históricos e culturais, contaminou rios, afetou a pesca e o turismo e devastou plantas e animais. O acidente é considerado o maior desastre ambiental da história brasileira.
Quase um ano depois da tragédia, a editora Pulo do Gato anunciou o lançamento do livro “Um Dia, um Rio” para contar de forma poética essa triste história. “A ideia dessa obra surgiu de um profundo desconforto meu, como cidadã, ao ver como os grandes desastres ambientais acabam impunes ou sem ações efetivas apesar das sequelas trágicas que provocam ao meio ambiente e à população”, diz Márcia Leite, a editora responsável pela obra. Segundo ela, o objetivo era contar essa tragédia de uma forma diferente. “O livro apresenta um pedido de socorro e uma denúncia, mas poético, sem obviedade. Trata-se da fala doce e amargurada de um rio que perdeu sua vocação de rio e sua voz”, explica ao Guten News.
O livro traz os lamentos do rio atingido pela lama tóxica, como se cantasse uma moda de viola, recordando o tempo em que ele alimentava de vida o seu leito. “Entendemos que a linguagem poética, tanto do texto quanto da imagem do livro ilustrado, não se esgota em uma única leitura e tampouco se refere a um único fato”, afirma a editora. Leia um trecho da obra:
Um dia eu fui rio. Bacia. Vale. Eu era melodia. Hoje sou silêncio.
Meu leito virou lama. Meu peito, chumbo e cromo. Minhas margens, tristeza.
Eu era doce. Hoje sou amargo.
A história contada em “Um Dia, um Rio” serve para relatar o desastre em Minas Gerais, mas também trata de danos ambientais de forma mais ampla. “Cada leitor atribui um sentido. Tivemos como ponto de partida um fato que nos comoveu e revoltou. Mas [o livro] também traz a possibilidade, que só a linguagem poética oferece, de falar por muitas vozes, de contar a história de outros rios, de outras situações em que o meio ambiente foi vítima da ausência efetiva de políticas ambientais”, diz a idealizadora.
Além de Márcia Leite, estão envolvidos no projeto o escritor Leo Cunha e o ilustrador André Neves. O livro “Um Dia, um Rio” será lançado em 22 de outubro, com sessão de autógrafos marcada na livraria NoveSete, no bairro Vila Mariana, em São Paulo.
Desastre ambiental
A barragem de Fundão era operada pela Samarco, uma empresa controlada por duas gigantes da mineração mundial: a brasileira Vale e a anglo-australiana BHP Billiton. O depósito foi construído para receber os rejeitos da extração do minério de ferro que é retirado em grandes quantidades das minas da região. Segundo as investigações da Polícia Federal sobre as causas do acidente, os rejeitos arenosos depositados no local não estavam sendo drenados como de fato deveriam. Isso transformou o material em lama e deixou-o mais pesado, o que derrubou a barragem. Outra conclusão é que a empresa não tinha um plano de contenção adequado para esse tipo de situação.
Com base na investigação policial, encerrada em junho, o Ministério Público Federal pediu o indiciamento de funcionários da Samarco, da VogBr (a empresa responsável pelo laudo que garantiu a estabilidade da barragem meses antes do acidente) e da Vale. Outros processos e investigações sobre o caso ainda estão sendo realizados.
Em março, a Samarco e as companhias que investem nessa empresa assinaram um acordo intitulado “Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta” (TTAC), que estabelece um acordo entre a companhia e os governos federal, de Minas Gerais e do Espírito Santo. O principal objetivo é recuperar o rio Doce. O acordo definiu que a empresa deverá pagar R$ 2 bilhões em 2016 e outros R$ 2,4 bilhões até 2018. Ficou acertado ainda um pagamento entre R$ 800 milhões e R$ 1,6 bilhão de 2019 a 2021 e também uma última indenização sem valor definido a ser paga até 2030.
Hoje, a comunidade de Bento Rodrigues continua destruída. Não é nem sombra do que era antes do acidente. Além das mortes, o episódio em Mariana mudou a vida de moradores da região. Eles tiveram de deixar o local e estão em casas ou acomodações temporárias alugadas pela mineradora. Existe um plano para construir uma nova vila em área próxima. Em maio deste ano, as famílias de Bento Rodrigues votaram para escolher o novo local: uma área denominada Lavoura. A expectativa é que o projeto de arquitetura da nova cidade fique pronto até o fim do ano e que a cidade seja entregue até 2019.
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