Publicado em: Blog Toda Hora Tem História - julho de 2016

https://todahoratemhistoria.wordpress.com/2016/07/28/letras-de-carvao/

“Estou sempre disponível para os livros e as palavras, as emoções da literatura…”

Extraí a frase de uma breve entrevista de Irene Vasco, publicada no canal da editora Lua Books, no youtube. Depois de ouvir essa pequena frase, sorri com simpatia para a tela do computador como se Irene pudesse me ver.

Filha de uma cantora e de um pai narrador, neta de narradores, Irene comenta que sua infância foi muito rica com a presença da literatura em sua casa.

Ao comentar a escola em seu país, a Colômbia, Irene menciona um fio de decepção que parece semelhante a algo que sinto aqui, no Brasil. Tanto em escolas de elite como em escolas instaladas em zonas com intensa dificuldade financeira, não nos ensinam o que é o Brasil, quais as possibilidades para a identidade do nosso povo, quais as formas que traduzem nossas múltiplas identidades culturais, riqueza plural de nossas histórias.

É claro que tomei um comentário numa breve entrevista e viajei para questionamentos que são meus, no trajeto que tenho percorrido nesta vida. Gostava saber mais, ouvir mais de Irene, para um pensar profundo e desdobrável do letramento, na formação de leitores autônomos que se apropriam das próprias histórias.

Recordo minha sensação de renascimento quando visitei um dos quilombos no Vale do Ribeira, em São Paulo, aos meus 42 anos, nunca tinha visitado e conversado com quilombolas, essas pessoas que constroem suas vidas a partir de um consenso de propriedade coletiva, unidas pela busca de dignidade para seu povo. Levei a experiência para grupos de crianças com as quais compartilho conhecimentos em leitura, em oficinas. A primeira sensação que eles tiveram foi que eu imaginava coisas antigas, descritas, de forma distante, nos livros de história… Aos poucos, convenci minhas crianças da real experiência; aos poucos, encantados buscaram no mapa o caminho de tudo que não conheciam no seu Estado, dentro de um país infinitamente maior. E todos se emocionaram com a possibilidade de escutar histórias de Saci ao lado daqueles irmãos quilombolas, cercados de floresta.

Cheguei a Irene Vasco por seu livro, Letras de Carvão, recém lançado pela editora paulista Pulo do Gato. Curiosa, fui vasculhar umas coisinhas na net sobre a autora e fiquei encantada pelo trabalho amoroso que ela faz como escritora e formadora de leitores.

Letras de Carvão conta a história de uma mãe que se alegra ao ver o filho escrevendo contos, trazendo a memória de como ela aprendeu a escrever, em seu povoado, lugar de pouquíssimas pessoas letradas.

Ao final do livro, em texto complementar, Irene Vasco conta um pouco sobre a realidade das comunidades rurais colombianas, onde o conhecimento se difundia por tradição oral, algo que só começou a se modificar no final do século XX, quando as pessoas se tornaram conscientes sobre o direito básico à alfabetização.

Letras de Carvão é ilustrado por Juan Palomino. Seus desenhos  reforçam a importância de valorizar a cultura local por meio de cenas em que crianças e adultos brincam na rua ou nos rios, trabalham e se divertem em meio a uma natureza exuberante, convivem em harmonia festejando e compartilhando a vida e os saberes.

O livro baseou-se nos relatos de mães comunitárias durante oficinas de leitura ministrada pela autora.