Os desenhos animados, desde que o Pedro nasceu, passaram a ser para mim um tormento repetido à exaustão. Mas, é claro, há exceções. - Blog Gato de Sofá - 21/11/2012 Publicado em: Blog Gato de Sofá - 21/11/2012
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Os desenhos animados, desde que o Pedro nasceu, passaram a ser para mim um tormento repetido à exaustão. Mas, é claro, há exceções. Uma delas, o Irmão Urso, um filme da Disney, de 2003, sobre três irmãos diante de seus destinos, representados por totens. Kenai, o mais novo, recebe o totem do amor e, revoltado com o que considera um rebaixamento de sua condição masculina, o nega. Como nas tragédias, ele passa toda a história se aproximando, sem perceber, de seu destino, até que o compreende e o aceita. Bela história, que me fez perceber que o meu totem também é o amor, apesar de meu destino não ter sido traçado por forças sobrenaturais e poderosas, como o de Kenai. Meu totem não passa de uma escolha feita quando eu ainda era uma criança e sonhava em ter filhos e uma bela família. Sonho que me pareceu na adolescência menor do que o desejo de ter uma profissão, de me realizar no trabalho, enfim, de ser uma mulher emancipada e independente. Este desejo sobrepujou o outro e passei parte de minha vida adulta investindo no trabalho e nos prazeres de ser independente. Até que conheci o Cadoca, me apaixonei e um dia, sem planejar, me vi formando uma família com ele. Primeiro veio o Pedro e, cinco anos depois, o Antônio. Desde então, vivo, como muitas mães, dividida entre a vida profissional e os filhos. Não quero e nem posso deixar de trabalhar, afinal, o trabalho nos ajuda a compor nossa identidade. Mas quero poder viver estes dois papéis, o de mãe e o de profissional. Por isso, nestes últimos anos, tenho de tempos em tempos me reinventado para me manter no mercado e na vida deles. Agora vivo mais um momento de reinvenção. De início de novo caminho. De desafios por vir. De confiança no porvir. Confiança de que todo este esforço está valendo a pena. Um esforço para abrir em minha vida de mulher emancipada e independente espaço para duas criaturas que me ancoram no mundo, me projetando para o futuro e me levando a revisitar constantemente o passado. Mãe do jeito que sou hoje, serei por mais poucos anos. Depois meus filhos vão buscar seus caminhos e me deixar com o ninho vazio e, assim, terei cumprido com o meu destino de honrar o totem do amor. Nestes tempos de incerteza que vivemos, o amor é a única certeza. A certeza de uma sobrevida na memória de quem nos amou e de um lugar em um mundo cada vez mais fragmentado e descontinuado. Não sei onde vai dar minha história. Mas sei que o amor não se esvai. Sei que um dia meus filhos vão se lembrar de mim, mesmo depois de minha partida, e reconhecer um valor no esforço que faço hoje para tê-los ao meu lado. O valor do amor e a aposta em uma nova vida. Assim, como fizeram minha mãe, a mãe dela, minha avó querida, que já partiu, e gerações e gerações de mulheres que, apesar de sua importância social, foram massacradas por séculos e séculos. O meu desafio, como é o de muitas mulheres deste mundo afora, é viver assim entre a casa e a rua. Entre os filhos e o trabalho para deixar para eles a maior e melhor herança que alguém pode ter na vida: o amor. Amor herdado que me fez ficar com os olhos marejados ao ler Mari e as coisas da vida, da belga Tine Mortier, editado pela Pulo do Gato. O livro tem texto corajoso que fala, sob o ponto de vista de uma criança, de velhice, de doença e de morte como é raro ver na literatura para crianças e jovens, tão comumente temerosa com assuntos difíceis. A narrativa é uma emocionante história de amor de uma neta com sua avó, que me fez lembrar do meu amor pela minha avó Branca. A delicadeza da história é realçada pelas belíssimas ilustrações da também belga Kaatje Vermeire, que não temeu nem mesmo desenhar a cena do velório do avô da menina. A morte, no contexto da relação de Mari com a avó, é mais um momento da vida, com certeza, triste. É o fim esperado desde o começo, mas preenchido de sentido por uma vida vivida com amor. Este sentido minha avó Branca, que morreu serenamente em sua cama, cercada pelos objetos de toda uma vida e de sua filha, me ensinou com o amor que dispensou a seus filhos e seus netos. Mari me fez lembrar os momentos finais da vida da minha avó, que tanta tristeza me impuseram, e que só hoje, anos e dois filhos depois, consigo compreender e ressignificar. Este ressignificado eu encontrei na história de amor que vivi com ela. A única coisa sólida que ela me deixou. A única coisa sólida que deixarei para os meus. O mais, não tenho dúvidas, se desmancha no ar.
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