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O livro ilustrado “Eu nem ligo”, de Márcia Leite e Jean-Claude Alphen, aborda, com sensibilidade, mas sem disfarces ou meias palavras, a difícil passagem que toda criança enfrenta ao se deparar com um novo papel na vida familiar: tornar-se irmão ou irmã de alguém. Um livro delicado sobre a descoberta das sensações genuínas que afetam o crescer, como o ciúmes, a solidão, a frustração e a aceitação.
Realidade, fantasia, brincadeiras e jogo simbólico se misturam durante toda a sequência narrativa no livro EU NEM LIGO. Ao “brincar” de mamãe, ao acordar o irmãozinho, ao “machucar” seu ursinho de brinquedo, ao permitir que seus sentimentos contraditórios tenham consequências reais, a menina tem a possibilidade de viver ludicamente aquilo que ainda não consegue nomear: por que tudo ficou tão diferente depois que “esse” bebê chegou?
O texto verbal – a voz interna da personagem - procura se aproximar do pensamento infantil, em primeira pessoa, por meio de uma linguagem simples, direta e dialogal: a menina está o todo tempo conversando sozinha ou com alguém. Falando pela personagem e não sobre o que ela está fazendo, sentindo ou pensando, o texto não se compromete em explicar ou facilitar a compreensão do leitor a partir de algum julgamento binário de certo ou errado, deixando ao leitor a liberdade de interpretar de acordo com suas possibilidades.
As ilustrações – representações das ações - também buscam o diálogo com o essencial da narrativa pelo caminho da simplicidade e da síntese. As imagens acrescentam, complementam ou contradizem o que é anunciado pela personagem, apresentando muitas vezes elementos que darão pistas ao leitor para que escolha o que entende como mundo real ou mundo imaginário. A expressividade das ilustrações é notável. Não é necessário ver o rosto da menina, por exemplo, para imaginar o que ela está sentindo ou pensando. O gesto, a postura, as sombras, os movimentos corporais da menina, dos brinquedos e do cão orientam a compreensão do leitor de como a menina se sente ou do que deseja.
Crescer não é fácil e nem sempre os livros precisam mostrar situações agradáveis o tempo todo. Eu nem ligo procura dar voz ao ciúme disfarçado, camuflado em indiferença. Eu ligo sim seria a real afirmativa se os sentimentos ambivalentes e muitas vezes nada nobres do irmão mais velho pelo mais novo fossem socialmente autorizados.